São Luís do Maranhão
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MEMÓRIAS INFAMES
I
São Luís do Maranhão, 1947
Preso no quarto escuro
[por castigo, pelo padre..]
rezo a sentença “Deus seja louvado”
— o padre usou o argumento
da palmatória;
— um rato
no chão úmido e resvalante
me ouve: Deus seja louvado,
cem vezes, sem entendimento.
Aos sete anos, quando fui punido,
não sabia de Deus, mas a missa
era obrigatória.
II
A viagem no ITAquicé
O navio nas águas revoltas
minha revolta não era menor
na terceira classe. Ratos no porão.
Música no convés em festa.
Ouço o marujo ofegante
no ato masturbatório, vejo-o
e chega ao orgasmo pelo espanto.
Gaivotas anunciam terra à vista
— o carnaval no Recife: suspenso
o medo, o marinheiro espreita
à distância. Mãe intuitiva, me protege.
“Herege!” Dissipa-se na multidão.
Envergonhado. Ratos roem minhas
memórias com o moralismo de plantão.
III
Rio de Janeiro, 1953
A gravura na parede mostrava
o caminho do bem e os labirintos
do mal. Anjos coroando as alturas
e demônios terrestres açoitando
os incréus, os desviados. Do azul
ao rubro infernal
em sua função mais exemplar.
Os anjos assexuados;
os demônios fálicos incitavam
os pecados da carne. Um deles
era o marinheiro, estava em toda parte
e habitava os porões dos ratos
e as madrugadas mais felizes.
IV
Rio de Janeiro, 1958
Nas ruas imundas do meretrício
— no Mangue — tetas nas janelas
como olhos, espreitando:
línguas acenando com lascívia
e marinheiros de joelho,
sugando mel, urinando
pelas calçadas escuras.
Vamos rezar e dormir sossegados.
A noite encobre as vergonhas
e iguala virtudes e pecados.
Suor e êxtase. Exceção e medo.
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